Extremamente honrado atendo o doce e prazeroso encargo de fazer breve retrospectiva histórica abordando as origens do laborioso Departamento de Clínica Médica. Devo confessar que, a despeito dos 22 anos de atividades junto ao VCM, esta tarefa intimida-me, pois, no mínimo, sucedo um notável tribuno – João Palermo Neto, que rememorou de forma brilhante fatos históricos do VPT, que por treze anos esteve estreitamente ligado ao VCM. Compulsando centenas de páginas dos livros de atas de congregações e de concursos, cuidadosamente guardados pelos 6 ex-secretários da atual FMVZ/USP, pode-se delinear a história primeira da Clínica Médica.

Num passado não tão distante surge, com o fechamento, por Washington Luiz, do Instituto de Medicina Veterinária, localizado no Instituto Butantã, a velha Escola de Medicina Veterinária de São Paulo, em 1929, criada por ato de Julio Prestes e que se sediava à Rua Pires da Mota, nº. 1.

Nesta escola, dirigida pelo médico Alcides da Nova Gomes, dentre as 8 cátedras incluía-se aquela de Propedêutica, Patologia e Clínica Médica tendo como regente Antonio Augusto Brandão.

Em outubro de 1931, levando ao pedido de demissão de Alcides da Nova Gomes, ocorre a mudança da Escola de Medicina Veterinária de São Paulo para asdependências da Indústria Animal, sita à Av. Água Branca, nº. 53.

A direção coube, então, ao Engenheiro Agrônomo Mario Maldonado e a seu vice-diretor, o médico veterinário Alexandre Mello (que foi, inclusive, o presidente da 2ª. Gestão da então recém-criada Sociedade Paulista de Medicina Veterinária).

Ocorrem modificações nas cátedras, sendo que o titular daquela de Propedêutica, Patologia e Clínica Médica – Antonio Augusto Brandão, passa a ocupar a de Moléstias Infecciosas – René Straunard, veterinário belga graduado em Bruxelas, estão catedrático de Patologia e Clínicas Cirúrgicas e Obstétrica passa a reger as clínicas até o ano de 1933.

Em 1933, abre-se concurso para provimento da cátedra de Propedêutica, Patologia e Clínica Médica, ao qual se inscrevem Luiz Picollo, Humberto Vernet e Benedito Bruno da Silva, este último candidato ganha o concurso.

Em janeiro de 1934, através do DL 6283, cria-se a Universidade de São Paulo. Meses após a EMV de São Paulo passa a se denominar Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de São Paulo (DL 7016 de 15.03.35), tendo como seu primeiro diretor o médico Altino Augusto de Azevedo Antunes. Dentre seus 13 catedráticos, Benedito Bruno da Silva ocupava a cátedra de clínica.

A novel Faculdade estava instalada na Av. São Luiz (depois nº.79) onde é hoje o Palácio da Saúde.

Três anos depois, mais precisamente em janeiro de 1937, com a vacância da cátedra de clínica, René Straunard, que há pouco havia novamente se incorporado à Faculdade de Medicina Veterinária passa a reger a clínica médica. Dá-se início às tentativas para se trazer da Universidade de Milão, o Professor Aldo Tagliarini (indicado por Alfonso Bovero) para ocupar a 15ª cadeira, qual seja a de Patologia e Clínica Médica.

Nessa mesma ocasião, Zeferino Vaz, professor catedrático de Parasitologia, indica para reger a cadeira de Terapêutica, Farmacologia e Arte de Formular, o jovem Gabriel Sylvestre Teixeira de Carvalho (cirurgião dentista e médico veterinário) que anos mais tarde dirigiria a FMV e, a seguir, a própria USP.

Em 1938, face à situação política na Itália, confirmou-se que Aldo Tagliarini não mais viria. As disciplinas de Patologia e Clínica Médica do 3° ano (1ª e 2ª cadeiras) eram regidas por Cesário Machado (Diretor do Hospital Veterinário) e por Gabriel Sylvestre Teixeira de Carvalho.

Em fevereiro de 1938 abriu-se concurso para provimento efetivo da cátedra de patologia e clínica médica. O efetivo provimento só ocorreria 8 anos após. Durante este período (1938 a 1946) as regências das Patologia e Clínica Médica de animais monogástricos e de animais poligástricos couberam, respectivamente, a René Straunard e a Gabriel Sylvestre Teixeira de Carvalho.

Em 1938 ocorre a formatura da primeira turma de médicos veterinários pela FMV/USP; desta o único que remanesce é Euclydes Onofre Martins.

No ano de 1946, inscrevem-se no concurso para provimento de cargos de professores catedráticos de clínica médica os médicos veterinários Sebastião Nicolau Piratininga, ex-assistente de René Straunard e Romeu Diniz Lamounier. O primeiro disputando a cátedra de clínica de monogástricos e Lamounier aquela de animais poligástricos.

Em setembro de 1946, Sebastião Nicolau Piratininga, falecido no início de 1995, após se submeter a concurso, com banca composta por René Straunard, Laerte Machado Guimarães, Mário D’Apice, Desidério Finamor e Anchises de Faria é aprovado com média 8,4. No “curriculum” do novo catedrático dispunham-se 4 trabalhos publicados. A tese de cátedra fora “Contribuição à Semiologia – tempo de circulação”. Um mês após, com média 8,16, é aprovado Romeu Diniz Lamounier, em concurso no qual se inscreveu com 6 trabalhos e 50 exemplares da tese “Nova técnica para determinação do índice ictérico em bovinos – aplicação clínica”, bastante elogiada pela banca constituída por Gabriel S. T. Carvalho, João Soares Veiga, Desidério Finamor, Anchises de Faria e Mário D’Apice. Os catedráticos regeram a 15ª e a 16ª cadeira durante mais de 22 anos. Coincidindo com o término da reforma universitária em 1968, houve a mudança da FMVZ/USP para a Cidade Universitária. Nesta mudança Sebastião Nicolau Piratininga não mais fazia parte do corpo docente face à aposentadoria em 1967. Em 1969, foi a vez de Lamounier aposentar-se. Com a aposentadoria dos professores catedráticos, com a extinção das cátedras e com a formação do Departamento de Patologia e Clínica Médicas, fundindo a Anatomia Patológica, as Clínicas e a Terapêutica, durante cerca de treze anos, as Disciplinas de Clínica ficaram sem professor titular. Todavia, Paulo Pereira de Carvalho, Max Ferreira Migliano, os docentes mais graduados de então, liderando Eduardo Harry Birgel, Leonardo M. de Araújo, Carlos Eduardo Reichmann, Luiz Carrieri, Fabio Cavalari, Luiz Bortolai Migliano e Marina Moura, conduzem os destinos das clínicas. Nos anos de 83, 86 e em 1990, respectivamente, Eduardo harry Birgel, Leonardo Miranda, Flávio Prada e Mitika Kuribayashi Hagiwara, merecidamente, atingem o acme da carreira. Em 14 de abril de 1983, atendendo propositura do então Diretor da FMVZ/USP – Professor Doutor Vicente Borelli, o Conselho do Departamento de Patologia e Clínica Médica {VPC), sob a presidência do Professor Doutor Adayr Mafuz Saliba, constitui comissão formada por Mário Mariano, Eduardo Harry Birgel e Carlos Eduardo Larsson, que sob a presidência do primeiro propõem a divisão do VPC, constituindo-se os Departamento de Clínica Médica {VCM) e Departamento de Patologia {VPT).

Em 13 de junho de 1983, o Conselho Departamental do VPC aprova a divisão do Departamento.

Portanto, com o de acordo da RUSP, através da decisão Reitoral 2588/83, há 12 anos atrás, o VCM era formado por 15 docentes, número mínimo legal que, para ser alcançado, necessitou do subterfúgio da cessão por empréstimo de um auxiliar de ensino, o M. V. Durval Porto de Araújo. O número de docentes até hoje se mantém inalterado. Todavia, pode-se verificar que a célebre pirâmide da distribuição dos professores,segundo a titulação, sofreu um movimento rotacional de 180º, haja vista que, em 1983, 60% dos professores possuíam no máximo o título de doutor e hoje, 12 anos após, 30% dos docentes com lotação no VCM estão situados entre as categorias de auxiliar de ensino, assistente e de assistente doutor.

Estes 15 docentes, notavelmente sobrecarregados por atividades administrativas junto às comissões estatutárias, à administração central, ao Hospital Veterinário nos dois “campi”, às disciplinas de graduação (na atualidade em número de 8) e de pós-graduação (em número de 16), orientam 44 alunos de pós-graduação, 17 médicos veterinários residentes do sistema FUNDAP/Hospital Veterinário, propiciaram, só em 1994, 141 estágios a profissionais e acadêmicos provindos de diferentes Estados da federação. Tanto o ensino das disciplinas profissionalizantes, como o treinamento dos residentes em serviço, a formação e a reciclagem dos estagiários, bem como a elaboração de parte dos projetos de tese se estribam na casuística de 20.500 casos, atendidos pelos serviços do VCM oferecidos ao Hospital Veterinário e pela clínica ambulante (10.600 km rodados com 1.071 casos atendidos em 1994).

Dentre as atividades de extensão de serviços à comunidade o VCM de forma pioneira no âmbito das escolas de medicina veterinária implantou nestes 10 últimos anos os Serviços de Eletrodiagnóstico Cardiológico, de Emergência e Pronto Atendimento e o de Dermatologia, consolidando-se ainda neste último decênio os laboratórios de imunodiagnóstico e aquele de doenças nutricionais e metabólicas.

Ainda no que tange às atividades de pesquisa e extensão, o VCM vem mantendo a média de 4 palestras proferidas e de 5,4 trabalhos publicados e/ou apresentados em conclaves científicos. Dos 12 docentes portadores, no mínimo, do título de doutor 8 (67%) desenvolvem bolsa de pesquisa junto ao CNPq.

Neste histórico e agora inventário de atividades é mister que não se olvide que, ao longo destes 60 anos de história da clínica médica, os docentes, regentes ou plenos, vem conduzindo os destinos da quase septuagenária SPMV. Realmente, a atividade associativista dos docentes das clínicas é estampada pelo exercício da presidência da SPMV por 8 dos seus 26 presidentes, a saber, Straunard, Piratininga, Birgel (2 gestões), Larsson, D’Angelino, Benesi e Coutinho do Amaral.

Ao longo destes 60 anos de empenho dos clínicos, belga ou brasileiros, somaram-se dezenas de prêmios, homenagem e honrarias obtidos pelos docentes, publicaram-se e apresentaram-se centenas de trabalhos, formaram-se e treinaram-se milhares de acadêmicos e médicos veterinários.Todavia, neste saldo positivo de realizações e alegrias, incluem-se momentos dolorosos, pois o VCM viu levados pela pesada mão do destino três de seus docentes em plena atividade de trabalho. Em 18 anos, perdemos Carlos Eduardo Reichmann, Leonardo Miranda Araújo e, recentemente, Marcelo Galhardo.

O denodo de dezena de clínicos – docentes e pesquisadores, ao longo destes 60 anos de Faculdade, seguramente colaborou para que, juntamente com o VPT, VCI, VRA, VPA, VCA e VPS, se construísse a monolítica e vetusta Faculdade, a decantada Casa de Altino, que orgulhosamente e talvez, presunçosamente, considero a melhor dentre as melhores.

(Discurso proferido pelo Prof. Dr. Carlos Eduardo Larsson, durante as Comemorações dos 60 anos da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo, no período de 15 a 19 de maio de 1995)